Médicos, circunstância e compreensão

Abdon Murad é presidente do CRM
Abdon Murad é presidente do CRM

Surpreendente e aparentemente sem um sentido maior a intransigência com que o Conselho Regional de Medicina (CRM) se recusa a conceder registro a médicos estrangeiros que trabalharão no Maranhão pelo Programa Mais Médicos, implantado pelo Governo Federal para suprir, pelo menos em parte, a falta desses profissionais em muitas regiões do país, especialmente no interior. Presidido pelo respeitado e militante médico Abdon Murad, o CRM protocolou na Justiça ação para não cumprir a Medida Provisória que instituiu o programa, entrando, assim, em choque com outros estados, nos quais, mesmo protestando, CRMs reconheceram a MP como instituto legal. Se a Justiça acatar a reclamação do CRM, os 37 médicos estrangeiros, que já estão em São Luís recebendo treinamento, não poderão atuar. Tal situação caracterizará um impasse e, por via de consequência, frustrará as expectativas de milhares de pessoas que aguardam a atenção desses profissionais.

Não se discute o direito do CRM de questionar o Programa Mais Médicos e até criticá-lo. Mas não há como não reconhecê-lo como uma iniciativa válida e oportuna do Ministério da Saúde para diminuir os problemas causados pela falta de médicos em grande parte do território nacional. O país é mal visto por causa da baixa relação médico/habitantes, que se torna mais grave quando se constata uma grande concentração de médicos nos grandes centros, enquanto nos médios e pequenos centros a falta de médicos é gritante e responde por uma elevada incidência de óbitos, de doenças já erradicadas em outras regiões e países e absoluta falta de uma cultura básica de saúde, só possível com a presença e o envolvimento de médicos.

No caso do Maranhão, a relação é de 0,7 médico por 1.000 habitantes, segundo o mais recente estudo Demografia Médica, realizado pelo IBGE. O estado conta hoje com 4.322 médicos. 3.046 atuam na capital e apenas 1.276 trabalham no interior. Trata-se, como é possível observar, de uma realidade fora de qualquer padrão, pois enquanto cerca de 70% se concentram no maior centro urbano e sede política e administrativa do estado, para atender pouco mais de 1 milhão de habitantes, apenas 30% atuam para atender 5,5 milhões de habitantes espalhados por 216 municípios. Ou seja, no caso do interior do Maranhão, a relação médico/habitantes é muito menor. Logo, não há como não admitir que o Mais Médicos é uma boa ação e deve contar com a colaboração de todos, ainda que guarde algumas contradições.

O Programa Mais Médicos foi o caminho que o governo da presidente Dilma Rousseff encontrou para suprir em parte a carência gritante que no momento torna o sistema público de saúde brasileiro um dos menos eficientes do planeta. O grito de protesto dado pela população nas ruas, em junho, cobrou solução urgente para essa e outras chagas com as quais se debate diariamente – como os transportes, por exemplo – por falta de políticas bem definidas do poder público. Isso não quer dizer que por causa dos protestos o Governo Federal vá, de uma hora para outra, abrir concurso para 10 mil médicos ou criar, por decreto, dezenas de cursos de Medicina para formar médicos a granel nem transformar os médicos brasileiros em semideuses, com tratamento diferenciado em relação às outras categorias de importância vital nas políticas de cuidados com a sociedade. Não se diga, aqui, que os médicos brasileiros são bem remunerados, por exemplo. Mas não se diga também que circunstancialmente, devido ao Programa Mais Médicos, os médicos brasileiros estejam sendo destratados. Nada disso. Há muito o que fazer para que o médico brasileiro seja bem remunerado e integre uma categoria numerosa, dentro do melhor padrão da relação numérica por habitante. Nesse sentido, ações como o Programa Saúde é Vida, do Governo do Maranhão, com a implantação de uma gigantesca rede hospitalar que alcançará todas as regiões maranhenses, e a ampliação dos quadros do Hospital Universitário e pela abertura de cursos de Medicina no estado são de extrema importância.

Vale insistir que o Mais Médicos atende a uma circunstância e por isso deve ser abraçado mesmo por aqueles que lhe façam restrição. Daí ser de difícil compreensão a reação negativa do CRM. Enfatiza-se aqui que não se lhe tira o direito de se posicionar em defesa da categoria, mas apela-se no sentido de que a contratação temporária de médicos estrangeiros atende a uma circunstância que em nada prejudicará a classe médica brasileira. É lícito ao CRM questionar o Mais Médicos, mas não parece razoável atacá-lo agressivamente. A hora é de somar, naturalmente com a reserva inviolável do direito de se manifestar, criticar, defender, que aqui não está sendo questionado. Isso porque milhões de brasileiros, incluindo maranhenses que carecem de atenção médica, são o motivo maior do programa. Daí a importância e a necessidade de que haja um desarmamento geral.

Editorial de O Estado do Maranhão

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